Trata-se de minha dissertação de mestrado, na qual realizei uma comparação entre o orçamento da saúde entre dois municípios. Entrentanto, há informações e uma longa explicação sobre a estrutura do SUS, seu funcionamento e o “circuíto” do dinheiro público. Caso tenha interesse, é só clicar (Dissertação Sistema Único de Saúde SUS Estrutura e Funcionamento Manoel Martins) para baixar o arquivo completo. A introdução está na sequência.
Introdução
Considerada a extensão do território brasileiro com suas diferenças regionais em relação à cultura, distribuição de infraestrutura e organização política, o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro é, talvez, o maior esforço contemporâneo de coordenação federativa do planeta Terra. Além das questões regionais, há a inerente complexidade da área de saúde, que o SUS se propõe a responder mediante a integração de serviços oferecidos entre entes federados e pelo financiamento compartilhado.
Qualquer coordenação federativa que utilize dinheiro público passará, necessariamente, pelo campo de conhecimento das finanças públicas, que é tradicionalmente regulamentado de modo profundo no Brasil por uma legislação que impõe um grau extremo de complexidade no âmbito orçamentário, financeiro e patrimonial a qualquer entidade pública e, por conseguinte, ao SUS e aos inúmeros órgãos responsáveis pela execução das
políticas públicas de saúde.
Há, portanto, um potencial conflito entre a normatização complexa e nacional das finanças públicas e a necessidade de flexibilidade do SUS. Em outros termos, é preciso garantir a multiplicidade organizativa, orçamentária e financeira dos entes federados, para que estes criem respostas adaptadas às suas realidades locais e aos problemas da saúde pública, além de regras que possibilitem a transparência das contas públicas e a posterior agregação dos recursos públicos em nível nacional para efeitos acadêmicos, estatísticos e de
transparência.
Como implementar, então, uma coordenação federativa que equilibre a liberdade de planejamento e organização para absorver as diferenças regionais e, ao mesmo tempo, garanta que os recursos públicos sejam arrecadados e gastos conforme as rígidas e homogêneas regras das finanças públicas?
Este trabalho objetiva analisar a estrutura orçamentária do SUS em dois municípios paulistas, Campinas e Morungaba, utilizando o orçamento federal como referência técnica para verificar como os gestores do orçamento, na prática, conciliam as regras das finanças com as necessidades locais do SUS. Em outros termos: o gestor local conhece as regras do SUS e das finanças públicas? Como tais profissionais lidam com essa multiplicidade de
regras e complexidade?
Pretende-se, através da comparação de indicadores orçamentários e organizacionais de impacto orçamentário, avaliar a capacidade desses gestores em customizar seus orçamentos e absorver as necessidades locais, garantindo o respeito às regras das finanças públicas.
Para isso, na primeira parte descreve-se a história da formação da função saúde no Brasil, a fim de compreender o sentido político do SUS materializado na Constituição Federal.
Na segunda parte do trabalho, realiza-se um levantamento da legislação pertinente à área de finanças e a descrição do orçamento federal da saúde em sua estrutura, bem como às regras relativas à arrecadação e dispêndio na saúde, assim como a normatização do cálculo do índice de gastos constitucional em saúde.
Na terceira parte, avalia-se como foi criado e executado o orçamento dos referidos municípios no ano de 2015, suas similaridades e diferenças entre si e em relação ao orçamento federal. Também será avaliada a prestação de contas em relação a estes
orçamentos e sua compatibilidade em relação a outros relatórios apresentados pelos municípios.
É natural questionar como se pode, com sucesso, comparar dois municípios tão diferentes como Morungaba, com 11 mil habitantes e um orçamento anual de R$ 33 milhões em 2015, e Campinas, com mais de 1 milhão de habitantes e um orçamento acima de R$ 4 bilhões no mesmo ano. Talvez, o único aspecto em comum seja a região em que se localizam os dois municípios, na chamada Região Metropolitana de Campinas (RMC), a aproximadamente 100 km da capital São Paulo. A escolha da menor e maior cidade da região é intencional, pelos motivos que seguem.
Do ponto de vista da saúde pública, estarem os dois municípios na mesma região é o elemento fundamental para a comparação. Isso porque cuidam de populações com características de trabalho, de transporte, de moradia, entre outras, semelhantes. Portanto, possuem características de saúde com potencial impacto orçamentário também, a priori, parecidas.
Em outro sentido, pode-se dizer que comparar um município isolado da região amazônica – com uma população predominante ribeirinha – com Campinas seria, talvez, irresponsável para o que se pretende, pois os perfis populacionais e de saúde são completamente diferentes. Os problemas de saúde de uma população que se alimenta de produtos do rio e da floresta e não está exposta à poluição ou estresse do trânsito é
completamente diferente de uma população que fica horas no trânsito para trabalhar diariamente e se alimenta de produtos do supermercado. Assim, uma comparação orçamentária ou de planejamento entre esses municípios deveria investigar em que medida estes se diferenciam, ao contrário do que se pretende neste trabalho. Uma possibilidade seria, por exemplo, que o percentual de despesas no Programa Saúde da Família (PSF) em relação à despesa total em saúde no município amazônico seria, drasticamente, superior ao de Campinas no mesmo programa, na medida em que, talvez na região norte, seja necessário maior nível de deslocamento de equipes médicas até as residências mais afastadas, o que não acontece em Campinas, teoricamente, na mesma intensidade.
Deste modo, neste estudo, pretende-se investigar mais as semelhanças e a forma como os gestores de Morungaba e Campinas responderam à legislação e às necessidades de saúde de suas populações através de um prisma orçamentário. É preciso destacar, também, que embora existam especificidades dos municípios investigados, tratando-se do SUS e das finanças públicas brasileiras, mais em comum devem ter do que em incomum. Isso porque a legislação é homogênea para os dois municípios: é a mesma Constituição Federal, a mesma Constituição Estadual, o mesmo Tribunal de Contas estadual e a mesma região geográfica de saúde. Logo, as normativas e o planejamento (pactuação) do SUS, também são os mesmos.
A hipótese que apresentamos neste trabalho é de que os orçamentos municipais sigam a regulamentação da área de finanças e que, neste quesito, sejam parecidos com o orçamento federal, pois este, embora não apresente qualquer impositividade, é referência técnica nacional. Ao mesmo tempo, que estes orçamentos mantenham certo grau de liberdade quanto à execução dos recursos do SUS. Assim, os gestores do orçamento (burocratas e políticos) conseguiriam executar um orçamento personalizado e, ao mesmo tempo, prestar contas corretamente.