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Parte 1

A Galinha

Galinha-Pintadinha é o personagem infantil da moda, que segundo as próprias mães hipnotiza as criancinhas. Supõe-se que suas musiquinhas encerrem mensagens subliminares ou demoníacas. Realmente, ver uma criança assistindo aos filmes é intrigante (http://www.youtube.com/watch?v=KYCWn71xjpg).

A Galinha-Pintadinha-Líder hipnotiza profissionais que atuam com afinco na administração de empresas em geral. Eles sempre querem arrumar um emprego em outra empresa que seja uma multinacional, “vestem a camisa” da empresa, falam inglês e já fizeram intercâmbio. Liderança, iniciativa e trabalho em grupo. A Galinha-Pintadinha-Líder é a santa padroeira das palestras motivacionais. Santa é pouco, talvez seja a deusa da administração. É um conceito não muito bem delineado academicamente ainda, criado pelo meu amigo e professor Pires, mas certamente será profundamente estudado nos cursos de administração.

GALINHA PINTADINHA LÍDER

A Flaskô

Na Flaskô a Galinha-Pintadinha-Líder foi parar na panela. A Flaskô é uma fábrica de bombonas, aqueles barris grandes de plástico onde são estocados produtos químicos, água, ou aqueles galões de gasolina. Funciona em Sumaré-SP.

Há 11 anos a empresa faliu, seus proprietários fugiram e deixaram uma dívida de aproximadamente R$ 200 milhões, principalmente porque não repassavam o INSS e FGTS para os cofres públicos. Sob processo de falência, o juiz determinou um interventor desses de gravata, que sabem trabalhar em grupo e obedece aos mandamentos da Galinha-Pintadinha-Líder, tem iniciativa e inconteste liderança (mesmo que reforçada em decisão judicial). O interventor é nomeado para salvar a fábrica ou pelo menos pagar suas dívidas. Suas primeiras medidas na Flaskô seriam aumentar o turno, demitir a maior parte dos funcionários, exigir produtividade, fortalecer o controle e aquela baboseira que estudamos no primeiro ano de administração.

Só que não. O interventor foi impedido e repelido pelos trabalhadores. Os trabalhadores tomaram o controle da fábrica.

Os trabalhadores tomaram o controle da fábrica e não demitiram ninguém. Diminuíram o turno de trabalho de 44 para 30 horas semanais e mantiveram o salário. Todas as decisões são tomadas pelos conselhos de fábrica e pelos conselhos de turno, que são membros eleitos pelos próprios trabalhadores. Em última instância possuem a Assembleia, que é soberana. Com diversas ações judiciais e penhoras, conseguem aos trancos e barrancos pagar parte da dívida deixada pelos patrões. Cederam parte do terreno da fábrica para moradia de 500 famílias, chamada Vila Operária. Na fábrica há um espaço para arte e pista de skate que a comunidade utiliza. A fábrica fica aberta à população (salvo os locais onde estão as máquinas). As crianças brincam de futebol ao lado do restaurante, onde a catraca foi aposentada. As mães conversam no galpão onde antes era estoque.

Os trabalhadores são felizes lá. Não por causa do salário ou dos planos de saúde, mas porque eles comandam seu próprio trabalho. São donos do que está a sua volta. Compartilham.

O medo

Na decisão proferida por um juiz em relação ao comando operário da fábrica, conforme você poderá assistir neste documentário https://www.youtube.com/watch?v=M6GbPwOf8qo ele cita “imagina se a moda pega”. É o trecho da decisão, acredite. Imagine se a moda de trabalhadores assumirem o comando e dividirem o lucro pega. A defesa intransigente de postos de trabalho é uma ameaça à democracia!

Está lá para qualquer um ver. Uma fábrica sem patrão, que paga fornecedores em dinheiro e a vista, há 11 anos, com carga-horária reduzida, bom salário e ainda ajuda a comunidade.

E você aí, trabalhando para um patrão imbecil, recebendo muito menos valor do que agrega e defendendo a “responsabilidade ambiental e social” de sua empresa, que no fundo sabe não passar de marketing barato. Mas eles contam com você e e sua fidelidade à Galinha-Pintadinha-Líder, que fará uma dinâmica em grupo para você melhorar sua produtividade. Eles contam com a sua crença de que poderá ser um capitalista, um dia.

 

Parte 2

O campo da gestão pública

Estudei administração pública em Araraquara-SP. Durante toda graduação discutíamos a existência de um campo de conhecimento da administração pública, embora tivesse surgido como área de estudo antes da administração de empresas, a questão era se não se tratava de uma especialidade da administração e não um campo independente.

Um dos aspectos da discussão era se ao gerenciar um órgão público, por exemplo, utilizaríamos princípios da gestão empresarial, da administração cientificamente construída no setor privado. Onde está o limite entre administração privada e administração pública, do ponto de vista científico?

Pessoalmente tenho como questão resolvida, há vários limites entre as duas, os quais não objetivo delinear aqui. Mas outra questão surgiu depois de alguns anos na área pública e privada: será que existe gestão pública em uma empresa ou gestão privada em um órgão público?

Refaço: será que um político eleito com objetivo de favorecer alguma empresa não seria um investimento privado? Suas decisões certamente potencializariam os lucros. O trabalho diário deste politico não teria como objetivo o que é público, mas o que é privado.

Por outro lado, será que a Flaskô, embora seja empresa fabril, não faz gestão pública? Suas decisões são coletivas e através de membros eleitos, gerenciam o fluxo da população em sua área, criaram e ajudam um bairro com 500 famílias, bairro que aliás conta com planejamento que na maioria dos condomínios e loteamentos não vemos. Respondem incessantemente ao judiciário (quem trabalha no Executivo sabe que é uma constante) e seus representantes vivem sob perseguição política.

Acredito ser a Flaskô uma experiência que pode ajudar no trato do desenvolvimento da administração pública.

O campo da política

Lênin achava que a revolução aconteceria onde o capitalismo fosse mais desenvolvido (Alemanha) e não na União Soviética, por isso o movimento de 1917 seria apenas uma ação de ocupação, para aguardar a verdadeira revolução no centro do capitalismo daquela época.

Sabemos que assim não aconteceu e pelo contrário, a própria União Soviética é a experiência de socialismo real mais conhecida e profunda.

O marxismo ortodoxo conduz por estes caminhos herméticos, pelos quais caminho com dificuldade e humildade, sou mero aprendiz. Por isso manifesto respeito e apoio às opções dos companheiros da Flaskô, mas penso que a busca da estatização de uma fábrica ocupada por operários é opção embasada, mesmo que indiretamente, em primeiro lugar pelo mesmo marxismo que prevê a tomada dos meios de produção pelo Estado, antes de sua entrega aos trabalhadores.

Em segundo lugar, no caso específico da Flaskô, a estratégia da estatização é reforçada por ser saída para os problemas da dívida e do investimento.

Não existe socialismo de um povo só, nem de uma fábrica só. O problema do investimento na produção, quando as fábricas são estatizadas, passa a ser macroeconômico e não microeconômico, mas o problema continua. Cedo ou tarde é preciso resolver o comando operário sob a ótica econômica, o que não é difícil quando pensamos numa estratégia revolucionária, mas quando pensamos numa transição econômica e conquista de corações e mentes, precisamos tratar da viabilidade do controle operário em um mercado capitalista, por um tempo que permita a divulgação e multiplicação da sistemática de gestão operária. Ressalto: não um tempo e gestão que justifique a manutenção indefinida do capitalismo, mas um tempo que permita conquistar corações, mentes e multiplicar as experiências. Esse é um caminho. ?.

O PT

O projeto do PT desenvolvido em seus debates e disputas durante mais de 30 anos foi colocado em prática nos últimos 12. Com diferentes níveis de acerto e estabilidade, projetos de distribuição de renda, infraestrutura pública e privada e defesa de minorias foram implementados, não há quem duvide. Mas passou, agora é bola para frente. Claro, é preciso manter e garantir o já conquistado, mas é bola para frente e, deste modo, cabe questão que tem assombrado: vamos chutar para onde?

Uma das frentes de trabalho imprescindíveis é estabelecer como prioridade facilitadores legais para a tomada do comando de fábricas falidas por trabalhadores. A fábrica faliu, é justo que os trabalhadores que queiram assumir as dívidas possam fazer, mais precisamente facilitar crédito e suspensão de restrições.

Um segundo trabalho é divulgar e estudar a experiência da Flaskô, que se trata de experiência já estudada em círculos acadêmicos do mundo todo. É só divulgar e ajudar o fantasma da Flaskô assustar a Galinha-Pintadinha-Líder e seus profetas.

 


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