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Gestão Pública.net entrevistou no dia 16 de março de 2006 a Dra. Cláudia Maria Costin na cidade de Araraquara, Convidada pelo Centro Acadêmico de Administração Pública da UNESP para ministrar a aula Magna do curso. Reconhecida internacionalmente pela capacidade e experiência na área pública a grande personalidade tratou Manoel Henrique, com gentileza singular. Cláudia Maria Costin foi Secretária de Cultura do Estado de São Paulo, Coordenadora de Projetos da FUNDAP, Diretora da Serpro, Secretária Adjunta da Previdência Complementar, Ministra da Administração Federal e Reforma do Estado, Gerente de Políticas Públicas do Banco Mundial. Trabalhou como consultora para governos como da Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Atua na área acadêmica em instituições como FGV, PUC-SP, Unicamp, Universidade de Taubaté e Universidade de Brasília.

Gestão Pública.net – A Emenda Constitucional número 19 introduziu o princípio da eficiência e alterou a estabilidade do funcionário público. Com base nessa EC/19 foram implementadas políticas de melhoria da administração pública, dentre elas, as executadas pelo ministro Bresser e pela Senhora. Até que ponto, porém, essas modificações alcançaram os diferentes níveis da administração?

Dra. Cláudia Costin – A grande questão no Brasil é que o Estado não foi criado originariamente para prestar serviços públicos no sentido universalizado, o Estado surge para fazer duas coisas: primeiro para gerar emprego e renda. Deve-se lembrar que a maioria da população era escrava e os brancos pobres não tinham alternativa de renda. Quando a corte vem para o Brasil havia necessidade de gerar emprego e renda para população. Mais tarde o outro papel do estado foi baratear o custo da produção de capital, ou seja: o quanto custa para uma empresa operar no Brasil. Ocorreram uma série de investimentos em infra-estrutura para que as empresas pudessem atuar em boas condições aqui. Uma terceira função do estado foi oferecer oportunidades de serviços para as elites e classes médias em ascensão. Mas não estava entre as funções do Estado prestar serviços públicos para todos. A idéia de eficiência era estranha a lógica do Estado, porque você só pensa em eficiência quando o seu foco é o cidadão. Quando você pensa como é que eu vou prestar melhor um serviço de saúde ou educação como um todo, essa lógica se altera. As regras do Estado eram, pois, muito rígidas e voltadas simplesmente para moralizar o uso dos recursos públicos e não para gerenciar políticas publicas com mais eficiência. É importante lembrar que em 1930 apenas só 21,5 por cento das crianças em idade escolar estavam na escola. Por isso que a escola pública conseguia a qualidade que tinha. No fim da década de 60 estavam 40% das crianças na Escolas. A grande maioria estava fora das Escolas, portanto. Essa noção de que o Estado presta serviços públicos para o cidadão é, a meu ver, muito recente no caso Brasileiro.

Gestão Pública.net – O governo Lula abandonou o projeto de modernização da administração pública iniciado pelo Ministro Bresser Pereira e continuado pela Senhora. Qual a seria a razão por isso ter acontecido?

Dra. Claudia Costin – O Lula não conseguiu abandonar o projeto todo. O Lula, porém, não abandona a lógica de que a finalidade do Estado seria atender ao servidor público ao invés de atender ao cidadão. Porém justiça seja feita, durante muito tempo governos conservadores também demoraram a entender essa lógica… Durante um tempo eles começaram a abrir concursos públicos com muitas vagas para funções que a sociedade civil pode fazer melhor. Não havia impacto fiscal, mas sobre a gestão sim. Deixe-me fazer clara: Uma das coisas da reforma do Estado foi um processo de profissionalização do setor público porque ao mesmo tempo que você precisa em alguns casos fazer parceria com organizações da sociedade civil via OSs você precisa reforçar o núcleo estratégico do Estado fazendo concursos anuais, para poucas vagas, assim você não tem impacto fiscal e oxigena a máquina todo ano, de quem formula e gerencia políticas públicas, e das agências executivas que implementam políticas públicas. Esses concursos públicos, até 99, nós fizemos todos os anos, para carreiras no Governo Federal e passamos a corrigir os salários de acordo com o mercado, para atrair bons profissionais. Não adianta termos concursos anuais se não temos salários próximos aos do setor privado. Não precisa ser igual, mas que pelo menos um jovem como você sinta vontade de trabalhar no Governo Federal. Se o salário for muito baixo, mesmo que você seja idealista, não conseguirá fazer permanecer o novo servidor, porque terá uma família para sustentar. O setor público não pode ser bico e não pode ser destino de quem tem somente ambições políticas. Tem que ser profissionalizado. E foi isso que nós fizemos. Não havia folga fiscal para dar aumento generalizado mas corrigimos os salários das carreiras frente ao mercado e descobrimos que algumas carreiras eram pagas acima do valor de mercado. Motoristas, contínuos, ganhavam todos acima do mercado. Gerentes, fiscais, advogados e engenheiros do setor público ganhavam todos estupidamente abaixo de funções congêneres no mercado. Então nós corrigimos os salários e fizemos concursos anuais. Mas isso o Lula não fez. O que ele fez foi corrigir salário de quem já ganhava acima do valor de mercado. Ele recuou nesse aspecto.
Mas eu disse que ele não conseguiu abandonar de todo a lógica de Estado para o servidor ao invés de para o cidadão. Depois de algum tempo eles voltaram com concursos anuais. Fizeram concursos para o que não precisava, como médicos, perito médico. Eles também não continuaram fazendo OSs, mas está lá no site do planejamento uma noticia fantástica dizendo como uma das OSs está dando certo. Por exemplo, para aquela agência do livro eles vão criar uma coisa parecida com o SEBRAE para não dizerem que estão fazendo OS. A reforma é tão necessária, por que agora a população demanda eficiência, que ele não vai conseguir nem que ele queira abandonar esta questão.

Gestão Pública.net – Se retomado esse projeto de reforma do Estado, qual o tipo de profissional será necessário? Como podemos buscar este tipo de formação?

Dra. Claudia Costin – Em primeiro lugar, vai parecer uma maluquice o que eu vou falar, é a questão ética. Não é só o ético de não roubar. É a ética no dia-dia. Uma geração nova de pessoas que valorizam esforço e o trabalho sério. Que são capazes de pesquisar, tomar decisões e trabalhar em grupo. Um dos grandes desafios do setor público é que a realidade que apresenta problemas na hora de você atuar sobre estes problemas você segmenta a realidade em ministérios, secretarias e há uma dificuldade grande em trabalhar em equipe. Tem que ter gente que saiba e valorize trabalhar em equipe. Tem que ser gente que aprenda a focar no cidadão a finalidade da ação do Estado. O Estado não é um fim em si mesmo. O Estado tem que ser forte para prestar bons serviços para o cidadão. Mas o Estado ainda é um ente muito auto-referenciado. E não é só no Brasil, é uma herança maldita que nós trazemos um pouco da Europa e um pouco de outros lugares. Nós precisamos de um corpo de funcionários, a palavra parece um pouco piegas, mas de verdadeiro espírito público. Além de serem bons profissionais tem que ter uma vocação para melhorar as condições de vida da população. Que sejam entusiasmados com a profissão. Aliás, como em qualquer profissão: se você não for entusiasmado não será bom profissional.

Gestão Pública.net– Cada vez mais a educação é um ponto estratégico no desenvolvimento de um País. Como a senhora avalia o estágio atual do Ensino Superior brasileiro após o fim do sistema de avaliação inaugurado pelo Ministro Paulo Renato?

Dra. Claudia Costin – Eu gosto muito da idéia do Provão. Eu me perdoem os que não gostam. Eu acho que se havia falhas no sistema, este tinha que ser aprimorado. Tudo na vida tem que ser avaliado. Por que a avaliação é que dá a possibilidade da melhoria. Eu me lembro bem de um dia em que eu estava com o Paulo Renato e ele foi abraçado no aeroporto por um aluno de uma escola privada que falou assim: “olha você não sabe o que minha faculdade vem melhorando desde que você implantou o Provão”. E é verdade! O Provão estava especialmente se tornando público, dando condições de melhoria para faculdades privadas. Há muitas faculdades privadas ruins. Sem o provão ficamos só na avaliação das instalações e outras coisas, sendo que o decisivo na educação é aprendizagem e não se você tem vinte ou trinta computadores. É se de fato no final o aluno aprende, que é a questão central para o SAEB. Quer dizer: eles recuperaram o SAEB que iriam abandonar. Você lembra no começo da gestão do Lula eles colocaram no INEP uma pessoa chamada Otaviano Eleni que criticou toda a avaliação? Com essa crítica nós perdemos um tempo louco com essa crítica ao ENEM que é o do ensino médio. Agora estamos retomando por meio do SAEB universal, em que todos estão sendo testados. Neste sentido o Fernando Haddad foi um avanço em relação ao Cristóvão Buarque. Mas o Provão precisa ser retomado.

Gestão Pública.net – A senhora avalia que o Banco Mundial promove uma política de dominação e subjugação da América Latina?

Dra. Claudia Costin – Eu acho que não. Ele exerce um papel de influência. Porque na medida em que você dá o empréstimo em que estão ligadas condicionalidades você passa a ter uma influência importante. Agora daí a dominação… Se eles estivessem dominando com certeza o Hugo Chavez já tinha caído, com certeza o Evo Morales não teria sido eleito. Eu acho que esta é uma visão muito maniqueísta de que são os Gringos, são os Ianques e nós. Eu acho que eles gostariam de uma série de coisas e em alguns casos são intervencionistas como no caso do Iraque e do Afeganistão. Mas no caso da América Latina nós estamos longe disso. Nós somos muito mais influenciados pelo mercado de consumo de massa que eles promovem, pelo New York Times, pela CNN, e outros canais de comunicação que nos trazem noticias.

Gestão Pública.net – Qual será o principal desafio do próximo Governo Federal seja qual foro candidato eleito?

Dra. Claudia Costin – O grande desafio de qualquer governo é não jogar fora o que os outros fizeram. Eu vou falar uma coisa que parece contraditória com o que eu disse antes. Há algumas coisas importantíssimas que o Lul
a continuou em relação ao que o FHC fez. Nós falamos agora da avaliação na educação. No ensino fundamental e média continuou havendo avaliação da educação. Bolsa-escola foi introduzido primeiro pelo Cristovão no GDF, o Paulo Renato achou uma boa idéia e trouxe para o governo federal. E o Lula continuou ampliando com o conceito de Bolsa-Familia. O próximo governante tem que continuar com esta idéia. Porque o impacto, e isso foi mensurado pelo Banco mundial, do Bolsa-Familia é muito positivo, porque nós somos um país com grande concentração de renda. Então não é porque acreditamos que temos que ter mais empreendedorismo, mais autonomia etc., que não vamos perceber a situação de pobreza que precisa ser superada. O Bolsa-Familia tem que continuar junto com a profissionalização do setor público, mas muito mais do que já foi feito. Temos que continuar a questão das políticas sociais. O gasto público brasileiro. O gasto social brasileiro, segundo alguns autores, é 23% do PIB outros dizem 25% do PIB, dependendo de quando exatamente você pega o PIB. Mas ele é um padrão europeu de gasto social e no entanto as desigualdades sociais não vem sendo atenuadas de uma forma tão expressiva quanto o gasto. Nós temos uma carga tributária de 37% do PIB e esta sim é definitivamente padrão de Dinamarca e de Finlândia. Só que eu queria Lembrar que a Finlândia tira primeiro lugar no PISA já há dois PISAs, que é a avaliação internacional de ensino feita com jovens de 15 anos. O Brasil tira penúltimo e último lugar. Temos um problema sério de melhorar a qualidade dos gastos, melhorar a gestão de políticas públicas. E isso não se faz no palanque não se faz por decreto tem que haver persistência estratégica em bons projetos. Resolver o nó da previdência social que é complicadíssimo e antipático. Você esta lidando com questões que remetem a velhice e ainda temos aposentadorias muito precoces. Temos que resolver a questão previdenciária porque sobretudo é contabilizada como gasto social e isso num contexto em que um aposentado do legislativo federal ganha em média 35 salários mínimos enquanto que um aposentado do regime geral ganha 1,8 salários mínimos.


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